Luta, reconhecimento e a busca por direitos
Todo dia 25 de julho é comemorado o Dia Internacional da Mulher Negra Latina e Caribenha.
O Dia da Mulher Negra Latina e Caribenha foi inspirado no Dia da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha, criado em junho de 1992, marcando internacionalmente a luta e a resistência da mulher negra no mundo. O dia 25 de julho também é marcado pelo Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder quilombola que viveu onde atualmente é o estado de Mato Grosso, durante o século XVIII.
O número de brasileiros que se declaram negros subiu 6% entre 2016 e 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad). De acordo com a pesquisa, esse número vem crescendo desde 2015, quando a população branca deixou de ser a maioria no Brasil.
Os homens são 48,4% da população, enquanto as mulheres são 51,6% dos brasileiros, enquanto as mulheres negras são mais da metade desse número.
A importância desse dia
A professora de História, Giovana Castro destaca que o dia é importante para se compreender que a agenda de lutas é coletiva e que, portanto, as demandas que envolvem mulheres negras afetam a sociedade e as mulheres como um todo. “Pautas fundamentais como feminicídio, genocídio da juventude negra, acesso a educação e escolaridade, acesso ao mercado de trabalho, que são pautas caras para mulheres negras, pois elas são excluídas dessas demandas e ocupam uma posição baixa na pirâmide social do Brasil. A mulheres negras deveriam ser encampadas por todos os movimentos sociais de luta, compreendendo que a população negra no Brasil é maioria, e portanto, na agenda social deveria ser tratado assim“, explica Giovana.
Violência contra a mulher negra
No Brasil, o feminicídio, que é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher, atinge principalmente as mulheres negras. Segundo os dados do Mapa da Violência de 2015, feito pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais, entre 2003 e 2013, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54%, enquanto o índice de feminicídios de mulheres brancas caiu 10% no mesmo período.
Além do feminicídio, as mulheres negras também são mais vitimadas pela violência doméstica, com 58,68% dos casos registrados pelo Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher, de 2015. Além disso, as mulheres negras também são mais atingidas pela violência obstétrica, que é caracterizado por violência física ou verbal, tanto durante o parto ou no pré-natal. Xingamentos, recusa de atendimento, realizações e procedimentos médicos desnecessários, fazem parte dessa lista que atinge 65,4% das mulheres negras, segundo dados do Ministério da Saúde e da Fiocruz.
Questionada pelos índices de violência contra a mulher negra, Giovana respondeu que essas taxas a deixam com pavor, desespero e irritação profunda. “Qualquer violência contra a população negra afeta de forma direta ou indiretamente uma mulher negra, enquanto mãe, tia, avó, esposa. Portanto a mulher negra é aquela que mais sofre com a violência direta e indireta, tanto a violência física quanto a simbólica”, explica a professora.
Ela destaca que esse tipo de situação não é exclusiva das mulheres negras e que a população não observa a gravidade do caso. “Me gera pavor e irritação o fato de que a sociedade brasileira lida com esses dados com uma tranquilidade impressionante, não movendo nenhum tipo de política pública na prevenção dessa violência e nem tampouco se solidarizando com as vítimas“, completa Giovana.
Falta de representatividade
A representação de mulheres na política ainda é tímida e de mulheres negras é mais ainda. De acordo com o portal Politize! o Brasil possui na Lei das Eleições uma cota mínima, de 30%, e máxima de 70%, de candidaturas por gênero em cada partido. Mas não há nada que trate das etnias e cores, abrindo espaço para a desigualdade. Segundo uma pesquisa feita pela Folha de São Paulo em 2015, apenas 18% da população negra está em cargos de destaque, sendo que o total de negros no Brasil é 54%.
Giovana diz que a falta de representatividade, tanto de mulheres negras, quanto das minorias na política é um problema típico da democracia à brasileira. “As pessoas legislam lá como se fosse causa própria, confortavelmente esquecendo que elas legislam a favor de um modelo democrático, que deveria significar a ampliação dos diretos para todos os cidadão, independentemente de terem votado no candidato que está lá, mas isso não acontece”, explica a professora.
Ela explica, também, que não deveria haver a necessidade de ter um representante de cada minoria para ter a sua pauta discutida. “Democraticamente falando, não deveria precisar de ter uma mulher negra na política para defender as mulheres negras, nem um deficiente falando sobre os direitos dos deficientes. Isso acontece numa democracia tênue como a nossa, que deixa de lado elementos fundamentais de compreensão de quanto mais eu aumento os diretos da minoria ou de todos os cidadão brasileiros, mais forte minha democracia se instala. Aí, infelizmente acabamos caindo na questão de enquanto não há representatividade, não há legitimidade e isso é típico da nossa democracia, infelizmente“, lamenta Giovana.
Estereótipos no Brasil
Segundo Giovana, o Brasil possui um vasto conjunto de estereótipo acerca do corpo da mulher negra. Ela enfoca que geralmente a visão que se tem dessa mulher é sempre a mesma. “Convenhamos que a mulher negra é empregada doméstica, então não interessa em qual estamento você esteja, ela sempre vai ser lembrada como aquela que serve, compreendendo que isso não é desmerecer em momento algum. Mas não é o lugar que você ocupa e sim a fixação desse lugar”, diz Giovana.
Ela conta, também, que existe a ideia de que a mulher negra seja raivosa. “Existe essa visão da mulher que briga por tudo e muitas pessoas não entendem que isso é uma questão de sobrevivência e defesa. Ela acaba criando formas de responder ao imenso grau de exclusão e adoecimento que o racismo traz sobre seu corpo. Além disso, temos o estereótipo da mulata, da mulher hiper sexualizada, que a mídia faz de gato e sapato desse estereótipo”, completa.
Juiz de Fora com passos para trás
Em 2017, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) precisou pedir uma audiência pública para discussão dos altos índices de violência contra jovens negros em Juiz de Fora. Perguntamos à Giovana se ela enxergava racismo na cidade. “Lógico que em Juiz de Fora existe uma carga imensa de racismo e machismo contra mulheres negras, pois a cidade está dentro de um circuito nacional e não se distingue em relação às práticas racialistas e machistas. E sobre isso, avançamos pouco, pois a política de apoio às demandas de mulheres na cidade é incipiente, no mínimo vergonhosa, e no que se refere ao combate ao racismo, nós caminhamos na mesma direção”, explica a professora.
Giovana conta que as pautas voltadas para pessoas negras, geralmente, são lembradas apenas em uma época do ano. “Temos aspectos pontuais que promovem um diálogo sobre racismo, geralmente em novembro. Nós somos partes ou recortes de um nacional, o que não nos exime da responsabilidade de pensar em formas de médio a longo prazo para que essa situação não se mantenha assim”, conta.
Busca por direitos
Percebemos, de um tempo para cá, as criações de movimentos, coletivos, grupos que debatem, conversam, lutam por uma causa. Giovana diz que todas as mulheres e todas as ditas minorias, estão ficando mais atentas aos direitos. “Nós temos hoje uma possibilidade de acesso a conhecimentos e acesso a informação de uma forma inédita. Isso gera uma troca de experiências que nós não tínhamos a 10 anos atrás“, conta Giovana.
Ela porém, destaca que apenas isso não é suficiente e é preciso mais. “Ter acesso, no entanto, ao conhecimento desses direitos, juridicamente falando, não tem gerado avanços significativos na implantação efetiva. Pelo contrário, percebemos nos últimos dois anos, um retrocesso muito grande dos direitos da população ou simplesmente a manutenção do estatuto jurídico, sem que haja uma implantação real e efetiva. Mas eu quero crer, eu acredito que a gente tem percebido um aumento pela demanda e pela luta por esses direitos, o que para mim é significativo”, finaliza Giovana Castro.