Comida é pasto
Por Carolina Fellet
Até determinar o que é ou não comestível e formar o cardápio básico da humanidade, quanto peixe não morreu pela boca?
Sempre que como picanha com batata frita, pizza de frango com catupiry, hambúrguer, chocolate e bolo de morango com chantilly, mentalizo meus ancestrais com língua afiada que pensaram não só na nutrição e sobrevivência de seus contemporâneos, mas no prazer gustativo de quem ainda nem era semente.
Se no passado a função primordial dos restaurantes era a de restaurar, através da dieta, o bem-estar de pacientes debilitados, hoje o espaço funciona como um bordel do paladar. Só se sai de lá após a saliva ter atingido seu pH máximo.
O prato em que era servida a sopa insípida que equilibrava os coeficientes de saúde do enfermo foi quebrado no ritual de casamento cigano e, no lugar, usam telhas.
Sim, telhas! Antes condenadas à construção civil. Elas que agora conservam os graus exatos das receitas desenvolvidas nos reality shows conduzidos por chefs de todas as línguas.
O vasilhame dos restaurantes contemporâneos, aliás, é parte essencial não da mera reabilitação dos clientes, mas da experiência sensorial que eles terão durante a refeição. É como a relação do hardware com o software.
Conectados com essa tendência, alguns estabelecimentos funcionam à meia-luz e disponibilizam venda para os olhos a fim de que o ritual da alimentação se espalhe por todo o corpo do comensal. Afinal, são muitas as variáveis a serem deglutidas: amostras de agricultura e pecuária, países totalmente díspares convivendo pela habilidade universal da língua (e suas papilas gustativas).
Comer sempre foi um ato metafísico e é justo, portanto, haver toda uma liturgia à altura.