Fellet com Fritas: O Ritual de Alimentar-se

12 nov | 1 minuto de leitura

Reflexões sobre alimentação

Foto: Dudu Mazzei

Em um zoológico na Hungria, acompanhei de perto dois elefantes almoçando. Enquanto turistas de diferentes procedências, especialmente da Ásia, avistavam a fauna gigantesca, disparavam suas câmeras e rapidamente seguiam rumo à próxima atração, permaneci ali durante uns 20 minutos.

Vinte minutos é o tempo que funcionário de banco tem para almoçar. Nesse período, os dumbos que eu observava ainda degustavam o antepasto e meu sobrinho de dois anos fazia máscara facial de papinha antes de despachá-la para o estômago. Quando é que o ato de se alimentar deixou de representar a sobrevivência, o prazer e a confraternização para se tornar um fenômeno mercantil?

Meu tio-avô, já falecido, transformava o preparo do café em liturgia. Escaldava xícaras, pires, chaleira, tomava conta do ponto de ebulição da água, moía os grãos pouco antes de utilizá-los como pó. Lanchar na casa dele era uma experiência de monastério. Quando criança, todas as vezes que o visitava, eu prestava mais atenção em seus protocolos alimentícios do que nos biscoitinhos que ele providenciava para agradar a meu palato infantil.

Mesmo entre os adultos do mundo moderno, comer ainda pode ser uma alternativa à diversão. Em São Paulo, há restaurantes que oferecem refeições às cegas aos clientes. A intenção é que eles, com os olhos vendados, decodifiquem o que estão comendo através do paladar, e não da visão. O hábito, além de realçar o sabor dos pratos servidos, estimula a interação entre os convidados, já que eles não se veem e contam, portanto, com a liberdade do anonimato. Esses espaços vendem a sensação de que comida não é só pasto; é também entretenimento, afeto, transcendência, conservação da espécie.

No outro prato da balança, para os obcecados por alimentação saudável, “bebida é água!” e “comida é pasto!”. Comer é uma atitude escoteira, praticamente dissociada do prazer. E um alerta final; a cereja do bolo: se a regra de mastigar lentamente os alimentos para saciar com menos e evitar o sobrepeso vale para os humanos, entre os elefantes, ela definitivamente não procede.