Por que o Brasil lidera a lista de assassinatos com armas de fogo?

28 mar | 12 minutos de leitura

Somadas as mortes de alguns países, não chegam ao número encontrado no Brasil

 

Entre 1980 e 2016, no Brasil, cerca de 910 mil pessoas morreram por arma de fogo. Na 2ª Guerra Mundial, que durou seis anos, 950 mil soldados ingleses, franceses e italianos foram mortos. Espanta, não é?!

Mas esse número não assusta mais que a porcentagem de pessoas assassinadas apenas por arma de fogo em 2016, 71,1%.

Por que o Brasil lidera a lista de assassinatos com armas de fogo?

 

Segundo o Atlas da Violência de 2018, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil chegou mais perto das taxas de assassinatos de países como El Salvador (76,9%) e Honduras (83,4%), e se afastou do índice da Europa (19,3%).

E ao contrário do que pensamos, o maior número de mortes não é nos estados do sudeste do país, onde encontramos o maior número de população. O que assusta, também, é a quantidade de jovens mortos por arma de fogo.

 

As mortes nos Estados do Brasil

Nos estados do Norte e Nordeste do país, o números de assassinatos cresceu, como no Rio Grande do Norte (256,9%), Acre (93,2%), Rio Grande do Sul (58,8%) e Maranhão (121,0%).

De acordo com o Atlas da Violência, em 2016 a taxa de homicídios por 100 mil habitantes chegou a quase 45 nos estados do Nordeste e Norte. No Sul o valor chegou em 25 e no Sudeste, em 20.

O estado de Roraima, segundo o portal G1, é o estado com maior taxa de mortes violentas do Brasil no primeiro semestre de 2018. Os fatores foram diversos, como uma rebelião no sistema penitenciário entre facções e a crise na Venezuela.

O Rio Grande do Norte ocupa a segunda posição após passar, também, por uma rebelião em um presídio, o que fez com que grupos criminais crescessem. A fragilidade fiscal e política do governo local, que enfrentou greve de policiais ao longo do ano também contribuíram para a crise de assassinatos.

Ceará e Acre também ocupam posições de destaque. Após passarem por disputas de grupos regionais, chacinas, mortes de policiais, vídeos de assassinatos e torturas fizeram parte da cena dos estados.

Por incrível que pareça, as taxas de homicídio na última década em alguns estados diminuíram. Foi o caso de São Paulo (-46,7%), Espírito Santo (-37,2%) e Rio de Janeiro (-23,4%).

De acordo com o Atlas da Violência, o estado de São Paulo apresentou queda no número de mortes em 2016. Segundo o estudo, o estado paulista apresenta uma redução de assassinatos desde 2000, e mesmo os especialistas no assunto ainda não entenderam o motivo.

Algumas suspeitas são de políticas sobre o controle responsável das armas de fogo, melhorias no sistema de informações criminais e na organização policial, fator demográfico, com a diminuição acentuada na proporção de jovens na população, melhorias no mercado de trabalho. Outro motivo levantado é o monopólio dos crimes por parte do Primeiro Comando da Capital (PCC), quando a facção começou a usar a violência letal, o que teria gerado efeitos locais sobre a diminuição de homicídios em algumas comunidades.

Já o Rio de Janeiro encerrou em 2012 uma fase de diminuição das taxas de homicídios, algo que estava acontecendo desde 2003. Foi a partir de 2012 que o estado oscilou nos indicadores de mortes, sendo que em 2016 houve forte crescimento das taxas.

Segundo o Atlas, 2016 marcou o final de um período positivo para o estado. Após eventos como as Olimpíadas, o Rio de Janeiro enfrentou momentos difíceis, como a falência econômica e política, aumentando também a violência.

Já estados como Espírito Santo e Paraíba, mostraram diminuições nas taxas de homicídios. De acordo com o Atlas, os governadores se envolveram diretamente na questão da segurança pública e lançaram projetos para reduzir a violência, como “Estado Presente” e “Paraíba pela Paz”, respectivamente.

Naquele ano, os dois estados ocupavam, nessa ordem, o lugar de 2º e 3º estados mais violentos do país. Em 2016, eram o 19º e 18º mais violentos.

 

Quem são os mais atingidos?

Jovens entre 15 a 29 anos foram as maiores vítimas de assassinatos no Brasil em 2016, segundo o Atlas da Violência. Esse número cresceu 23% de 2006 a 2016, quando atingiu um número nunca antes visto. Além da idade, notou-se que os homens estiveram mais presentes nessa lista.

No Brasil, 33.590 jovens foram assassinados em 2016, sendo 94,6% do sexo masculino. Em 2015 foi notado uma redução nos números das mortes, cerca de 3,6%.

Em um comparativo feito pelo jornal Folha de São Paulo, em 11 anos o Brasil enterrou 324.967 jovens assassinados, quase sete vez o número de soldados americanos mortos em ação (47.434) em 20 anos de Guerra do Vietnã (1955 – 1975).

Como afirma Renato Sérgio de Lima, diretor-executivo do Atlas, em 1980 o pico da morte de jovens se dava aos 25 anos, agora ocorre aos 21. “Existe um massacre da juventude brasileira, principalmente nas regiões Nordeste e Norte”, diz.

De acordo com o Atlas, os jovens que mais são assassinados são os negros. Em 2016 a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0% contra 40,2%). No período entre 2006 a 2016, a taxa de mortes de negros cresceu 23,1%, sendo que nesse mesmo período, a taxa de homicídios entre os não negros apresentou uma redução de 6,8%.

A diferença nos números é tanta que em alguns estados, os negros convivem com taxas semelhantes às dos países mais violentos do mundo, enquanto a baixa quantidade de assassinatos de brancos é proporcional à de países desenvolvidos.

Os pesquisadores destacam que a situação é grave em Alagoas. “Lá foi registrada a terceira maior taxa de assassinatos de negros (69,7 por 100 mil habitantes) e a menor de não negros (4,1). Em uma aproximação possível, é como se os não negros alagoanos vivessem nos Estados Unidos, que em 2016 registraram uma taxa de 5,3 homicídios para cada 100 mil habitantes, e os negros alagoanos vivessem em El Salvador, sendo a taxa de 60,1 por 100 mil habitantes em 2017”, explicam.

Já no Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, os números de homicídios a negros caíram: -27,7%, – 47,7% e -23,8%, respectivamente. São Paulo também se destacou por ser o estado no qual as taxas de homicídios de negros e não negros mais se aproximavam (13,5 e 9,1).

O índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, ano base 2015, demonstrou que o risco de um jovem negro ser vítima de homicídio no Brasil é 2,7 vezes maior que o de um jovem branco.

Já o Anuário Brasileiro de Segurança Pública analisou 5.896 boletins de ocorrência de mortes decorrentes de intervenções policiais entre 2015 e 2016, o que representa 78% das mortes no período. Ao descontar as vítimas cuja informação de raça/cor não estava disponível, percebeu-se que 76,2% das vítimas são negros.

 

Intervenções policiais

Apenas em 2016, o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) registrou 1.374 casos de pessoas mortas em função de intervenções policiais. Porém, os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam para 4.222 vítimas nesse mesmo ano.

As maiores distorções são verificadas no Norte e Nordeste. No Pará, por exemplo, os registros policiais indicam 282 vítimas, enquanto no sistema de saúde apenas três. Em Sergipe, o SIM apontou apenas uma vítima, mas os registros policiais relatam 94.

No Rio Grande do Norte, o sistema de saúde aponta duas vítimas, e no registro policial 65 pessoas. Em Goiás, há nove casos registrados no sistema de saúde e 209 nos policiais.

Mulheres assassinadas

Segundo levantamento feito pelo jornal O Estado de São Paulo com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, disponíveis no portal Datasus, o balanço mostra que 46.881 homens mortos por armas de fogo em 2017, 16% morreram dentro de casa.

No caso das mulheres, 2.796 que foram mortas por arma de fogo, 25% foram vitimadas em domicílio. Os assassinos, geralmente, fazem parte do núcleo de convivência da mulher, como marido, namorado, pais, tios e vizinhos, reafirmando estatísticas já conhecidas pela sociedade.

Segundo dados dos Anuários do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente em 2017 ocorreram 4.539 homicídios dolosos com mulheres, um aumento de 6,9% em relação a 2016. Desse número, cerca de 1.133 foram registrados como feminicídios, alta de 22% em relação ao ano anterior.

O que acontece com os jovens negros também se repete com as mulheres negras. Em 2016, a taxa de homicídios é maior entre as mulheres negras (5,3) que entre as não negras (3,1), apresentando uma diferença de 71%.

De 2006 a 2016 o número de mortes de mulheres negras aumentou 15,4%, enquanto com as mulheres não negras houve queda de 8%.

Segundo o Atlas da Violência, em 20 estados, a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu (2006 a 2016), sendo que em doze deles o aumento foi de 50%.

 

Motivos para tantos assassinatos

Por ser associado ao grande número de mortes, o tráfico de drogas é o mais lembrado pela sociedade. Uma das razões pelas quais a violência acompanha o tráfico de drogas é a disputa territorial.

De acordo com o Anuário Brasileiro, os estados que tiveram maior crescimento de mortes violentas intencionais em 2017 são rota importante no tráfico de drogas no Brasil: o Ceará seguido do Acre.

Segundo a socióloga Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, isso acontece devido a fronteira que o Brasil faz com os principais produtores mundiais de cocaína. “É a principal rota para essa droga chegar na Europa. O que vemos é que o Ceará se tornou espaço estratégico de escoamento dessa produção. E o Acre claramente vive uma nova rota do tráfico”, diz a socióloga.  

Segundo o jornal O Tempo em uma matéria de 2015, afirma que em Minas Gerais o tráfico de drogas é o motivador de 60% a 70% das mortes registradas no estado, de acordo com a Polícia Civil do estado.

A Pós-doutoranda do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Giane Silvestre, diz que a força das armas em posse de grupos e facções é justificada pelo enfrentamento com a polícia. “Enquanto o Estado investe em políticas de enfrentamento, políticas repressivas, esses grupos também vão fortalecendo seu potencial bélico”, explica.  

Mas convenhamos: o tráfico de droga não é exclusividade do Brasil. De acordo com o professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, Gabriel Feltran, o que faz com que o tráfico no Brasil tenha chegado no nível que está é a repressão equivocada que o faz se armar.

Já Giane Silvestre, acredita que o Brasil é violento desde a colonização. “Somos uma sociedade violenta. Primeiro a violência foi usada contra os indígenas e depois durante os 300 anos de escravidão. Temos uma forma de nos relacionarmos que é pautada na violência. Acredito que é preciso que haja uma série de políticas preventivas de redução da violência que invistam em processos de cunho civilizatório, educacional e outras de sociabilidade, diz a socióloga.

A pesquisadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidade Associadas da Universidade de Brasília, Andrea Gallassi, afirma que as drogas e a violência estão extremamente ligadas. “Por ser uma substância ilícita que tem uma demanda permanente e crescente, e por ser altamente rentável, os grupos brigam entre si pelo monopólio de áreas e geram todas as cenas de violência que a gente observa”, explica a pesquisadora, em entrevista à Rádio Senado.

Uma pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas aponta que o consumidor-padrão de drogas no Brasil é homem, tem entre 20 e 29 anos, é de classe média alta e mora com os pais.

Em 2013,  a Secretaria de Segurança Pública e pelo Conselho Nacional do Ministério Público de São Paulo, divulgou dados de homicídios registrados no estado. Analisados entre 2012 e nos quatro primeiros meses de 2013, os assassinatos foram causados por motivos fúteis, como brigas de trânsito com pessoas armadas, brigas domésticas e discussões entre pessoas alcoolizadas e também armadas.

Samira Bueno diz que a violência no Rio de Janeiro precisa ser avaliada com cuidado, já que é inevitável associar a despesa com segurança com a violência. “Olha, o caso do Rio de Janeiro precisa ser visto com cautela porque o aumento das despesas na época das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) foi enorme e dificilmente seria possível manter aquele patamar no longo prazo. Acho que o crescimento da violência também está relacionado à questão financeira, mas principalmente refletido nos atrasos de salários dos policiais e da incapacidade de custeio da máquina: falta combustível em viatura, falta viatura etc“, explica a socióloga.

Samira ainda diz que a contenção de gastos que o estado do Rio enfrentou nos últimos anos influência nos dados sobre a violência, relatando que houve uma redução de 68% nas despesas, comparando 2016 e 2017. “Claro que tem ligação, tanto que a segurança foi completamente sucateada. Dinheiro importa e essa redução se refletiu em toda a política, da delegacia a viatura, no salário e no esclarecimento de crimes. Mas é isso, o estado vive isso de forma muito brutal, não só a política de segurança”, diz Samira.

Ou seja…

Claro que o problema vai além das drogas, não há como negar, ainda mais percebendo que as verbas dos estados estão sendo reduzidas, como observamos o caso do Rio de Janeiro.

Mas o que muitos especialistas criticam é a falta projetos de segurança. Como vimos nos estados de Paraíba e Espírito Santo, os governadores se envolveram com a segurança pública e criaram projetos para reduzir a violência, o que, comprovadamente, funcionou.  

A questão, também, não é apenas os demasiados assassinatos de jovens, mas de jovens e mulheres negras, insistindo em um racismo e preconceito que muitas pessoas não percebem em nossa sociedade.

Além disso, as armas se tornaram o ponto principal das discussões sobre mortes e assassinatos. A posse foi flexibilizada e aos poucos percebemos conversas sobre um possível porte de armas para o cidadão.

O problema vai além das drogas e da violência nas comunidades.