Fellet com Fritas: Ocupação

26 nov | 2 minutos de leitura

Reflexões sobre os nossos lugares

Foto: Dudu Mazzei

Tenho o maior apego à minha coordenada geográfica no mundo e sempre me admira quem é desapegado de suas origens. A surpresa mais recente que tive nesse sentido foi ouvindo o testemunho de uma jovem mulher que embarcava para o Japão pela primeira vez. A passagem dela era só de ida e o excesso de bagagem lhe custou 500 dólares. Nos próximos três anos, ela iria morar na Terra do Sol Nascente. Quanta coragem!

Como desconheço a malha urbana de Juiz de Fora – os mapas nunca foram meu forte – eu me comporto como turista em minha própria cidade, desde que esteja fora do circuito habitual. Nessas situações, meu olhar delata que sou forasteira e meus passos tornam-se mais desgovernados que os de criancinha que sai em disparada, desbravando o supermercado.

Mesmo o Brasil tendo dimensões continentais, às vezes parece faltar espaço para mim. No passeio público, a sensação de que estou atravancando o caminho de outros transeuntes é constante. No ônibus, minha massa, que é magra, parece esparramar-se no assento do outro. Se entro em uma loja, tento ser o mais sucinta possível com a vendedora para não lhe atrapalhar o andamento do trabalho.

Não sei a que pedaço do mundo tenho direito. Quanto do universo está reservado a cada um de nós? No mar, os peixes pertencem a uma pátria líquida restrita ou podem nadar em oceanos estrangeiros sem necessidade de passaporte? No céu, balões de hélio soltos no Brasil podem alcançar a Guatemala, dispensando burocracias diplomáticas?

Nosso corpo é uma forma de ocupação do universo. Antes de existirmos, o espaço que ocupamos agora estava vazio. Mas, desde nascença, estamos circunscritos a um território, uma língua, uma cultura. Quem viola essa condição consegue reduzir o passado a medidas de maquete para colonizar, corajosamente, um novo espaço-tempo.

Se eu tivesse de me mudar de cidade, especialmente para um lugar de cultura muito diferente, meu ímpeto imediato seria não só permanecer na minha coordenada habitual, mas regressar ao ventre materno. Somente lá seria anatômico o suficiente para me resguardar dessa possibilidade.

Nos EUA, para desintoxicar do estresse urbano e das relações sociais desgastantes, muitos nativos têm recorrido a estúdios que simulam o útero através de temperatura, luminosidade e umidade. Nesses espaços, talvez os norte-americanos se sintam mais à vontade enquanto inquilinos da Terra, porque voltam à habitação dos primórdios da vida e encontram ali proteção.

Fenômeno oposto provavelmente irá acometer a mulher que se mudou para o Japão. Lá ela terá de recalcular seus graus para povoar uma superfície cheia de diferenças já instituídas.