Fellet com Fritas: O Novo Normal
Por Carolina Fellet
Atravessamos a vida em constante processo de reabilitação. É o joelho que rala, mas logo cicatriza; o dente que cai e um mais resistente nasce no lugar; é a mudança de endereço que nos faz sentir, a princípio, um estrangeiro dentro do novo imóvel até chegar a primeira conta de água com nosso nome impresso e validar que de fato somos o embaixador daquele território. Sem contar as questões da esfera sentimental que aparecem no caminho e precisam ser solucionadas em pronta-entrega. Mas nunca, nunquinha voltamos à conjuntura de antes, pois, como já diria o ditado, “ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio”. Porque as águas, assim como a gente, são de natureza dinâmica e qualquer tentativa de capturá-las é vã.
Está lá no verso da banda de que sou superfã, Engenheiros do Hawaii: “Só a mudança é permanente”.
Se, até um passado recente, em processos seletivos, requisitos técnicos tinham mais peso que características como resiliência e empatia, hoje em dia, o aspecto humano do recurso humano soma muito mais pontos no momento da contratação. As tecnologias estão aí, afinal, para fazer as vezes de tarefas repetitivas. Especialistas em mercados do futuro afirmam que as profissões modernas surgirão sobretudo da criatividade, embora não saibam antever com precisão quais serão esses ofícios. O momento presente já aponta algumas dessas novas ocupações. Quem poderia imaginar, dez anos atrás, a figura do influenciador digital entrar na lista de atividades profissionais?
O papel antropológico da mulher ao longo dos tempos também representa um recorte do rompimento do status quo. Até a geração da minha mãe, sexagenária, as funções femininas ainda eram muito influenciadas pelo imperialismo católico romano. Entrar na igreja vestida de fada, casar, ter filhos, exercer a maternidade em tempo integral e centralizar as demandas do lar eram os principais comandos da vida de nossas ascendentes. De lá para cá, episódios críticos contra a mulher somados a atos de resistência e mudanças na constituição minimizaram um pouco a hierarquia entre gêneros. Por conta disso, cá estamos nós, mulheres, pilotando aviões, opinando sobre sexo, ganhando prêmios na literatura e na matemática.
Para além da (tentativa de) igualdade entre o feminino e o masculino, a pandemia da Covid-19 vem nivelando etnias, grupos socioeconômicos, faixas etárias a um grupo só: o da humanidade.
Espero que esse fenômeno igualitário seja a pedra fundamental de um novo (e contínuo) normal.