Lavagem de Dinheiro: saiba o que é e como funciona

15 fev | 13 minutos de leitura

Confira a matéria completa:

O termo “lavagem de dinheiro” vem se popularizando, infelizmente, a cada dia. A prática, que não é nada nova, funciona para encobrir dinheiro vindo de atividades ilegais, como tráfico de drogas, corrupção, prostituição, extorsão e até terrorismo.

De forma mais simples, a lavagem de dinheiro é feita para disfarçar as origens ilegais do dinheiro de alguém e proteger seus rendimentos, evitando, assim, suspeitas por parte da lei.

E não pense que essa é uma prática existente apenas no Brasil. Há diversos países com histórico de lavagem de dinheiro. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a lavagem de dinheiro chega a até 5% do valor do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país.

 

O que é Lavagem de Dinheiro

Pela definição da Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL), a lavagem de dinheiro é qualquer ação ou tentativa de ação para ocultar ou disfarçar a origem de dinheiro conseguido de forma ilegal, mas que pareça que foi obtido de forma legal.

 

Como começou?

Na década de 1920 até 1933, vigorava uma lei nos Estados Unidos chamada Lei Seca. Ela proibia a fabricação de qualquer bebida que tivesse mais de 0,5 grau de teor alcóolico. Durante essa época, as organizações criminosas se dedicavam à fabricação e venda ilegal de bebidas alcoólicas, tendo um crescimento do ramo.

Foi nessa época que surgiu Al Capone. Em Chicago, nos anos 20, ele se destacou como líder criminoso que, além de fazer contrabando de bebidas, extorquia e explorava outras atividades ilícitas, que o deixaram rico. Ele porém, nunca foi preso por esses crimes, pois a polícia não possuía prova que associava Al Capone com esses crimes.

A polícia então, enviou agentes, que equivalem a Receita Federal brasileira, para investigar o caso. Eles notaram que Al Capone gastava muito com hotel, telefone, roupas e diversas outras contas. O que chamou atenção para sua contabilidade, tanto de pessoa física quanto de suas empresas, que era incompatível com a renda que ele declarava. Al Capone então foi processado por sonegação fiscal e condenado a 11 anos de prisão.

Segundo Carla Veríssimo de Carli, no livro “Lavagem de Dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso”, após a prisão de Al Capone, outros criminosos que estavam lucrando com serviços ilegais, tiveram que desenvolver métodos e técnicas para dar um “ar” de legalidade ao dinheiro.

Segundo Carla Veríssimo de Carli, a lavagem de dinheiro, como crime, existe há pouco mais de 40 anos, sendo a Itália o primeiro país a criminalizar essa conduta, em 1978. A criminalização foi uma resposta às Brigadas Vermelhas, que foi um grupo armado que praticou uma série de ações destinadas a desarticular o poder político estatal italiano.

 

Como funciona?

É preciso esconder o dinheiro “sujo” e isso não há como negar. Quem pratica a lavagem de dinheiro, geralmente, escolhe algumas dessas formas: feito apenas por uma organização, envolvendo vários países, empresas de comércio e de financiamento, empresas de fachada, laranja e paraísos fiscais. Mas calma que vamos explicar o que é cada um.

O ex-ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, afirmou que a lavagem de dinheiro é a causa final do crime organizado. O também ex-ministro Gilson Dipp do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmou que a lavagem de dinheiro é a espinha dorsal dos atos praticados por todas as facções criminosas. E não pense nessas facções como apenas grupos envolvidos em tráfico de droga, armas, assassinatos.

Segundo Patrick J. Ryan, autor do livro “Crime Organizado”, as organizações criminosas operam sempre sobre o eixo dinheiro-poder. O dinheiro atrai o poder e vice-versa, de forma que toda organização criminosa precisa, necessariamente, praticar a lavagem de dinheiro, já que dessa forma os recursos vão apresentar aparência legal.

 

Etapas da Lavagem de Dinheiro

Até para a ilegalidade há passos! Confira:

 

1 – Colocação

Essa etapa serve para colocar o dinheiro no sistema econômico. Para disfarçar essa colocação ilegal, podem ser realizadas diversas operações, como depósitos em contas correntes bancárias, compra de produtos e serviços financeiros (título de capitalização, previdência privada e seguros), aplicações em depósito a prazo, poupança, fundos de investimento e compra de bens (imóveis, jóias, carros, obras de arte).

 

2 – Ocultação

Na etapa da ocultação, são realizadas operações com o objetivo de quebrar as evidências sobre a origem do dinheiro, dificultando o rastreamento do dinheiro.

Para isso, podem ser usadas transferências entre contas correntes, transferência de dinheiro entre empresas, operações através de “contas fantasma” (conta em nome de pessoas que não existem) e de “laranjas” (pessoas que emprestam o nome para a realização de operações), transferência de recursos para paraísos fiscais.

 

3 – Integração

A última etapa representa a incorporação formal do dinheiro no sistema econômico, sob a forma de investimentos ou compras, com documentações aparentemente legais.

As três fases estão concluídas e o dinheiro “sujo” já está com aparência de “limpo”, ficando bem distante da sua origem ilícita, tornando mais difícil e improvável a associação direta com o crime e autores.

 

Há algumas formas para lavar o dinheiro sujo. Elas são:

 

Mistura

Os capitais da empresa legalizada são misturados com o dinheiro derivado de transações ilícitas e, em seguida, são apresentados como receita da empresa.

 

Cumplicidade de funcionários

Além de envolver a empresa, a lavagem de dinheiro pode atingir funcionários cúmplices no esquema, não informando às autoridades sobre as transações.

 

Empresas de Fachada

Pessoas que participam da lavagem de dinheiro formam empresas legais, mas elas funcionam apenas para esse fim.

 

Venda ou exportação de bens

Lembram que comprar bens, como joias, carros e obras de arte é uma saída para lavar o dinheiro? Então, esses bens também podem ser vendidos no exterior, fazendo o rastreamento dessas transações se tornar mais difícil.

 

Cumplicidade do sistema financeiro estrangeiro

A lavagem de dinheiro conta com a colaboração, ciente ou não, de instituições financeiras situadas no exterior, justificando a origem do dinheiro ilegal.

 

Paraísos Fiscais

Os paraísos fiscais são utilizados pois possuem encargos e tributações reduzidas ou inexistentes em relação à movimentação, aplicação de dinheiro de origem legal ou externa. Os paraísos fiscais apresentam um regime fiscal privilegiado decorrente da não incidência do imposto de renda sobre pessoas físicas e jurídicas que exercem suas atividades fora do local.

 

Segundo Ricardo Andrade Saadi, na dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação “Stricto Sensu” em Direito Político e Econômico, no Brasil, as organizações criminosas procuram aplicar o dinheiro ilícito em empresas legais, que operam com dinheiro em espécie, como hotéis, supermercados, restaurantes, postos de gasolina.

 

Efeitos da Lavagem de dinheiro

Pela observação de Saadi, a lavagem de dinheiro apresenta pequenas e grandes consequências para a economia do país, podendo até desestabilizar alguns setores financeiros. Segundo Luis Pontel, em trabalho de conclusão de curso Superior de Polícia, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a lavagem de dinheiro pode prejudicar os investimentos no mercado, a concorrência entre as empresas, os créditos bancários. Ou seja, pode desestabilizar o sistema financeiro e econômicdo país.

Essa instabilidade acontece pois quem lava o dinheiro não está interessado na taxa de retorno que o dinheiro investido vai ter, e sim na circulação dele para disfarçar sua origem ilícita. Além da baixa taxa de retorno, o dinheiro pode ser investido em algo que não vai rentabilizar tão bem, gerando uma menor taxa de crescimento mundial.

 

De forma simples

Se eu montar uma pizzaria, eu vou vender meu produto a um valor que faça com que o aluguel seja pago, os impostos, os funcionários e, ainda, que gere um pouco de lucro para o dono.

Já quem monta uma pizzaria para lavar dinheiro, não está preocupado com os lucros e sim em disfarçar aquela quantia derivada de formas ilícitas. Ele então, vai vender a pizza por um preço relativamente baixo, levando instabilidade ao setor e alterando o equilíbrio de pizzarias que não são envolvidas com o crime.

Com a lavagem de dinheiro, o crime organizado pode se infiltrar em instituições financeiras ou conseguir o controle de diversos e grandes setores da economia. Pode acontecer maiores números de subornos a autoridades, profissionais, governantes e funcionários públicos. Eles então, sendo beneficiados pelo dinheiro ilegal, possuem mais chances de adotarem políticas do interesse de quem está pagando, e excluindo a sociedade.

 

Casos mais conhecidos de lavagem de dinheiro

Um dos casos mais famosos de lavagem de dinheiro, como já comentamos, foi Al Capone nos Estados Unidos nos anos 20.

 

Máfia Italiana e Brigadas Vermelhas

A Máfia italiana também enriqueceu junto a Al Capone, durante a Lei Seca. Esse foi o começo da lavagem de dinheiro na Europa. Eles também vendiam bebidas de forma ilegal.

Na Itália dos anos 70, um grupo chamado Brigadas Vermelhas, que possuíam inspiração marxista-leninista, defendia a luta armada contra o Estado capitalista. O grupo ganhou fama na década de 80 por ter iniciativas violentas para tentar desestabilizar o país, sabotando fábricas, roubando bancos e realizando sequestros. O Brigadas gerou um clima tão grande de terror que a Itália ficou conhecida como “Anos de Chumbo”, fazendo referência a quantidade de balas disparadas.

Em 1978, após uma onda de sequestros realizados pela máfia visando um benefício financeiro, o grupo sequestrou Aldo Moro, um político influente na época e considerado o próximo presidente do país. Alguns meses depois, Moro foi assassinado e em resposta à comoção que causou no país e devido a outros sequestros, o governo italiano criou uma lei que incriminava a substituição de dinheiro ou de valores provenientes de roubo qualificado, extorsão qualificada ou extorsão mediante sequestro por outros valores ou dinheiro.

Em 1997, segundo informações da Folha de S. Paulo, a Máfia italiana estava lavando dinheiro da corrupção e tráfico internacional de drogas na Bolsa de Valores do Rio. Segundo o jornal, o esquema contava com a colaboração de operadores da Bolsa e foi descoberto pelas polícias do Brasil e Itália.

O suspeito era Domenico Verde, que era associado à Camorra” – máfia da região de Nápoles, sul da Itália-.

Para lavar o dinheiro, Verde usava um mecanismo do Conselho Monetário Nacional que permite que estrangeiros façam aplicações em ações negociadas nas Bolsas de Valores brasileiras, o que é conhecido como Anexo 4.

O jornal aponta que o esquema de lavagem era feito da seguinte forma:

1) o dinheiro “sujo” do mafioso era enviado legalmente da Itália para uma agência do banco Sudameris no Uruguai. De lá, era mandado para outra agência do mesmo banco no Brasil;

2) chegando ao Brasil, o dinheiro “sujo” era aplicado na Bolsa do Rio, utilizando o Anexo 4, que não exigia a identificação da origem do dinheiro.

3) ao término da operação, a aplicação era resgatada, e o dinheiro saia “limpo” e com lucro.

 

Silvio Berlusconi e um magnata chinês

Outro caso de lavagem de dinheiro na Itália foi protagonizado por Silvio Berlusconi, ex primeiro-ministro do país. A suspeita aconteceu pois, Berlusconi era dono do time de futebol Milan há mais de 30 anos, até que, em meados de 2017, ele vendeu o time para o magnata chinês Li Younghong.

O que intrigou as autoridades foi que o magnata comprou o time por cerca de 470 milhões de euros. Mas segundo suspeitas, o valor da venda cresceu para que uma boa parte do dinheiro pudesse chegar na Itália de forma legal, em uma transação de lavagem de dinheiro.

 

Pablo Escobar

Nascido em uma família simples e ladrão de lápides de cemitério, com 35 anos Pablo Escobar já era uma das pessoas mais ricas do mundo devido ao tráfico de cocaína. Estima-se que sua fortuna tenha chegado a 30 bilhões de dólares, chefiando o cartel de Medellín.

Nos anos 80, o cartel tinha uma receita estimada em 420 milhões de dólares por semana, o equivalente a 22 bilhões por ano. Em 1987, Escobar entrou para a lista da Forbes de bilionários e ficou por sete anos seguidos, chegando, em 1989, à sétima colocação. No final dos anos 80, cerca de 80% da cocaína que circulava no mundo era fornecida por ele.

Para lavar a quantidade de dinheiro que ele ganhava, Escobar criou uma empresa de táxi, óbvio que era de fachada, para tentar explicar a origem de sua fortuna. Mas ele ganhava dinheiro mais rápido do que conseguia lavar. Ele precisou ser mais ágil que a frota de táxi: escondeu as notas. Escobar colocava pilhas de dinheiro em galpões, enterrava bolos de notas nas terras de fazendas, escondia até mesmo nas paredes das casas dos membros do cartel. Dizem que cerca de 10% da quantia que ele ganhava, era perdida por causa de ratos nos depósitos ou da umidade dos lugares. As notas enterradas nas fazendas, muitas ainda estão perdidas.

Escobar também destinava seu dinheiro a construção de estádios de futebol em periferias, dava casas para os necessitados e patrocinava times de futebol.

 

Geddel Vieira Lima

Se você estava ligado na política brasileira em 2017, provavelmente você lembra do caso de Geddel Vieira Lima e seus exatos R$ 51.030.866,40 ou 51 milhões de reais escondidos em nove malas e sete caixas de papelão lotadas de notas de 100 e 50 reais.

Segundo a Polícia Federal, foram usadas sete máquinas para contar os milhares de notas. Além do dinheiro em moeda brasileira, havia também dólares.

Geddel era um dos principais assessores de Michel Temer, possuía forte influência no Congresso Nacional e foi apontado por delatores da Lava Jato como um dos receptores de propinas. Foi deputado federal, ministro e vice-presidente da Caixa.

Segundo O Globo, o local onde o dinheiro em espécie estava escondido foi apelidado de “bunker” pelos investigadores. Na denúncia, a Procuradoria Geral da República (PGR) diz que os R$ 51 milhões têm como possíveis origens propinas da construtora Odebrecht; repasses do operador financeiro Lúcio Funaro; e desvios de políticos do MDB.

Em janeiro de 2019, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu que Geddel fosse condenado a 80 anos de prisão pelo dinheiro encontrado. Ela considera que a pena deva ser elevada devido ao fato de ele ter ocupado cargos importantes e por ter uma personalidade “voltada” para o crime.

 

Entenda a lavagem de dinheiro por vídeo:

 

E os casos não param por aí e muita coisa ainda vai aparecer!