POSSE DE ARMA: saiba tudo sobre o decreto do governo Bolsonaro

27 fev | 14 minutos de leitura

Você é a favor ou contra o novo decreto? 

No dia 15 de janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro, eleito com 55,13% dos votos válidos, assinou o decreto que facilita a posse de arma de fogo. Segundo uma pesquisa do Datafolha, divulgada em dezembro de 2018, cerca de 61% da população brasileira não concordava com a ação, mas Jair Bolsonaro a fez como uma de suas grandes propostas quando candidato.

POSSE DE ARMA: saiba tudo sobre o decreto do governo Bolsonaro
Outdoor em Manaus. No da esquerda está escrito: “Nossa arma é o amor. Mesmo eleito, #EleNunca”. Já no da direita, uma foto de Bolsonaro ilustra a frase: “Posse de arma para o cidadão de bem”. Foto: Yago Frota/Divulgação

PORTE DE ARMA: saiba tudo sobre o decreto do governo Bolsonaro

O novo decreto serve para flexibilizar as regras para a posse de arma, garantindo assim o direito à legítima defesa do “cidadão de bem”, como Jair Bolsonaro considera.

As alterações foram feitas no Decreto 5123/2004, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento, que abrange o registo, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição.

 

Saiba diferenciar POSSE  de PORTE de arma

Quem não sabe a diferença, acaba confundindo, mas existe uma lacuna enorme entre eles. Confira:

 

Posse de arma de fogo

Autorização para manter uma arma de fogo em casa (ou numa residência de campo, por exemplo) ou no local de trabalho, desde que o dono da arma seja o responsável legal pelo estabelecimento.

A pessoa só pode andar com a arma em situações muito específicas, como do clube de tiro para casa, ou da loja para casa. Quando essa situação acontece, é preciso retirar uma autorização para ir de um endereço a outro. A arma, porém, muitas vezes tem que ir desmontada e sem munição.

 

Porte de arma

Documento que dá o direito de portar, transportar, comprar, fornecer, emprestar ou manter uma arma ou munições consigo. Nesse caso, a pessoa é autorizada a andar nas ruas com a arma.

O porte de arma é permitido a alguns profissionais como policiais, integrantes das forças armadas, auditores da Receita Federal, membros do Ministério Público e tribunais.

Segundo o Portal Exame, seria intenção do governo de Bolsonaro, com o novo decreto, reverter o estatuto do desarmamento e, futuramente, liberar o porte de arma no Brasil.

 

Confira algumas mudanças que foram feitas

Quem decide a posse de arma?

Na legislação anterior, quem decidia a posse de arma era a Polícia Federal, que checava alguns requisitos, como inexistência de antecedentes criminais, aptidão para o uso técnico por meio de treinamento em clube de tiro, teste psicotécnico.

A ideia era de que a Polícia Federal analisasse cada caso e autorizasse, ou não, a pessoa a comprar uma arma de fogo.

Com o novo decreto, todos (seguindo os critérios) que vivem em estados que possuem taxa de homicídios superior a 10 por 100 mil habitantes, de acordo com o Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, tem mais chance de conseguir a posse.  

 

Prazo de Renovação

Outra mudança foi o prazo de renovação, que é necessário para validar a posse de armas de tempos em tempos. Na primeira legislação, a renovação era feita de três em três anos. Michel Temer alterou o prazo, passando para cinco anos.

Com o novo decreto de Bolsonaro, ele altera todos os requisitos, como antecedente criminal, aptidão técnica, teste psicotécnico, para 10 anos. Com essa alteração, os proprietários de armas que ainda não tinham renovado a licença, estão automaticamente autorizados por 10 anos.

 

Quantidade de armas

A quantidade de armas se manteve, máximo de seis por cidadão, mas sofreu uma alteração. Na antiga legislação, a cada pedido de uma nova arma (dentro do limite das seis), a pessoa tinha que passar por uma nova análise da Polícia Federal.

Com o novo decreto, quatro armas já estão incorporadas como direito inicial. Se a pessoa quiser a quinta e sexta, ai sim ele precisa validar a necessidade do pedido.

POSSE DE ARMA: saiba tudo sobre o decreto do governo Bolsonaro

 

O que precisa para ter a posse de arma, segundo o Decreto:

1 – declarar efetiva necessidade;

2 – ter, no mínimo, 25 anos;

3 – apresentar original e cópia, ou cópia autenticada, de documento de identificação pessoal;

4 – comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a idoneidade e a inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio eletrônico;

5 – apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

6 – comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo;

7 – comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por esta credenciado.

8 – na hipótese de residência habitada também por criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental, apresentar declaração de que a sua residência possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento.

 

Opiniões sobre o decreto 

Contra

O jornalista do El País, Gil Alessi, publicou em janeiro de 2019 uma matéria em que conta as mudanças e possíveis consequências do decreto. De acordo com os especialistas consultados por ele, há chances de aumentar os casos de feminicídio, tendo em vista que a maioria destes crimes acontecem dentro de casa. 

Apenas em 2018, foram registrados 946 casos de feminicídios no Brasil, que ocupa a quinta posição global nesse tipo de crime.

O Instituto Sou da Paz criticou o novo decreto, dizendo: “Em vez de investir em políticas públicas eficientes para prevenir os crimes e a violência, querem transferir para você a responsabilidade de combater o crime, mesmo sabendo dos riscos a todos que envolvem a posse de uma arma “inclusive a de ser roubada”.

O assessor de Advocary do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, foi categórico ao afirmar: “Vai piorar o cenário de violência. Pessoas vão morrer em decorrência dessa assinatura do presidente”.

 

A favor

Em depoimento ao portal G1, o sargento José Nogueira, integrante da diretoria Associação de Praças das Forças Armadas, disse que os militares são a favor do decreto e que era para ter saído há muitos anos. “Estamos aplaudindo e somos favoráveis à mudança feita pelo Bolsonaro. Acredito que a gente vai normalizar e ter as autorizações que todos buscavam antes e que não tinham.”

Em entrevista ao portal ISTOÉ, Vera ratti, dona de uma loja de armas no centro de São Paulo, diz que o decreto vai diminuir a violência porque o bandido busca algo fácil, sabendo que não vai encontrar resistência. “Isso inibirá o criminoso, pois ele sabe que em uma casa, em um estabelecimento comercial, as pessoas podem estar armadas e têm o direito de se defender”, explica Vera.

 

Estados Unidos e sua lei de armamento

Jair Bolsonaro já declarou que Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, é uma de suas referências. O país norte-americano possui a lei de armamento mais conhecida e “liberal”.

Nos Estados Unidos, o direito ao porte individual de armas é garantido pela Constituição americana desde o século 18. As leis variam de estado para estado, resultando em diversas disputas políticas e legais.

O porte de armas curtas é permitido em 45 estados do país norte-americano, mediante o cumprimento de algum tipo de licença. No Arizona, Alaska, Wyoming e Vermont não é exigido licença. Já em Illinois, o porte de arma é proibido.

Para as armas longas, a proibição total do porte é adotada em seis estados, como Califórnia, Minnesota, Illinois, New Jersey, Massachusetts e Flórida) e por Washington, D.C.

 

As taxas dos Estados Unidos

Segundo a BBC, uma consulta feita pelo Centro de Pesquisa Pew, em 2017, cerca de 40% dos americanos dizem que possuem uma arma ou vivem em uma casa onde há uma. Nos EUA, há aproximadamente 270 milhões de unidades, fazendo do país o mais armado do mundo.

Os Estados Unidos apresentam a maior taxa de homicídios com armas de fogo do mundo desenvolvido, com mais de 11 mil assassinatos do tipo em 2016. 

Um dos pontos também discutidos no país, são os casos de suicídio, que representam quase metade de todos os suicídios nos Estados Unidos, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças.

Conforme a BBC, foi publicado um estudo científico no American Journal of Public Health, em 2016, que aponta para uma ligação forte entre os altos níveis de posse de arma em um Estado e maiores taxas de suicídio de homens e mulheres.

Sobre os ataques com uso de arma de fogo, desde 2013, segundo a BBC, foram registrados mais de 200. E não há nenhuma posição de Donald Trump em restringir o uso das armas. Enquanto países que passaram por situações parecidas, agiram para reduzir o acesso da população às armas, os EUA querem armar ainda mais a população, para que possam reagir a um ataque.

Em março de 2018, milhares de pessoas pediram mais rigor no que diz respeito ao controle de armas. O movimento foi após a tragédia que matou 17 pessoas em um escola em Parkland, na Flórida. O atirador, que tinha 19 anos, era ex-aluno da escola e tinha um rifle AR-15. POSSE DE ARMA: saiba tudo sobre o decreto do governo Bolsonaro

Japão diminui as mortes por arma de fogo

Sabemos que é difícil comparar a realidade do Brasil com diversos outros países, como o Japão, por exemplo. Mas em relação ao uso de armas, é preciso fazer essa comparação e enxergar quais os pontos positivos e negativos desse decreto.

Segundo uma matéria divulgada pela BBC em 2017, o Japão tem uma das menores taxas do mundo de crimes cometidos com arma de fogo. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, em 2014, foram registradas quase 34 mil mortes por armas de fogo, enquanto no Japão, no mesmo período, foram registradas seis mortes.

No país, o porte de armas é liberado, mas a burocracia para se conseguir uma é enorme, e muitas pessoas nem chegam a tentar. O número de armas no Japão é extremamente pequeno, conforme a matéria da BBC.

São cerca de 0,6 armas por 100 pessoas em 2007, em comparação com 6,2 por 100 na Inglaterra e no País de Gales. Nos Estados Unidos são cerca de 88,8 por 100, de acordo com o projeto Small Arms Survey, do Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento de Genebra, na Suíça.

Isso ajuda a explicar porque são raros os massacres com armas de fogo no Japão. E quando acontecem massacres, geralmente o criminoso usa facas.

As leis de controle de arma são tão rigorosas que até a máfia japonesa, a Yakuza, sofre com isso. Notou-se que os crimes do grupo caíram drasticamente nos últimos 15 anos e os criminosos que continuam usando as armas precisam descobrir novas manerias de entrar com elas no país.

Segundo Tahei Ogawa, um policial aposentado, em entrevista à BBC, os criminosos escondem armas dentro de carregamentos de atuns congelados. “Já descobrimos alguns peixes recheados com armamento“, conta ele.

 

E o nível de violência no Brasil?

De acordo com o Mapa da Violência 2016, entre 1980 e 2014, foram mortas quase um milhão de pessoas no Brasil por arma de fogo, sendo 85% em homicídios dolosos, com intenção de matar.

Ainda conforme o Mapa, somente em 2014, morreram cerca de 44.861 pessoas vítimas de armas de fogo, o que representa 123 pessoas por dia, ou cinco por hora.

De acordo com o Ipea, em 2003 o Brasil possuía um índice de 71,1% de mortes por arma de fogo, o mesmo índice observado ainda em 2016. O estudo aponta que, com essa taxa, o país se aproxima de El Savador (76,9%) e Honduras (83,4%) e nos afastamos da média de países da Europa (19,3%).

O Ipea ainda analisa que o Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2004, foi importante para o país, pois de certa forma freou os homicídios. Não fosse ele, o número seria 12% a mais que o divulgado.

Dentro da publicação do Atlas de 2018, existem inúmeros pontos que tornam o país uma vítima da violência, sendo a profunda desigualdade econômica e social, a ineficiente segurança pública e a forte presença de facções criminosas.

Esses fatores desafiam, desde sempre, os governos e fazem com que a taxa de crimes aumente.

 

A lei de alguns países

Austrália

O país tem leis muito restritivas, sendo que a posse é liberada em apenas casos excepcionais, geralmente para caçadores, colecionadores ou fazendeiros em áreas isoladas.

Para ter a licença é preciso fazer cursos de manuseio, teste escrito e prático e a pessoa passa por uma avaliação de antecedentes criminais. Há casos em que a polícia faz entrevistas com familiares e vizinhos.

A lei foi aprovada depois de um massacre que matou 35 pessoas e feriu 23 em Port Arthur, em 1996. Com o decreto, cerca de 650 mil armas foram confiscadas.

 

Alemanha

Para conseguir uma licença de arma na Alemanha, a pessoa precisa comprovar que corre risco, mostrar que é colecionadora ou que faz parte de clube de tiro.

É realizado uma pesquisa de antecedentes criminais, uma avaliação de saúde mental e uso de drogas. Caso a permissão seja autorizada, ela é revisada a cada três anos e para manter a arma em casa, é preciso permitir vistorias aleatórias da polícia, que verifica o local onde a arma está guardada.

 

China

Os chineses são proibidos de ter arma em casa, sendo que elas são guardadas em depósitos especiais. Para alguém conseguir comprar uma, é necessário uma justificativa e demonstrar conhecimento sobre manuseio e uso seguro.

A pessoa também passa por uma avaliação do histórico criminal e saúde mental.

 

Reino Unido

Apenas caçadores e membros de clubes de tiro possuem permissão. A pessoa que faz o pedido de uma arma, passa por uma avaliação de antecedentes criminais, entrevista domiciliar com a polícia, que verifica onde a arma será guardada.

 

México

A única loja de armas em todo o país fica na Cidade do México. Para obter a permissão do governo, é preciso atestar que a pessoa não tenha antecedentes criminais, e também é necessário ter emprego fixo e renda.

 

Atualizações

Em maio de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto com novas regras sobre o uso de armas e munições. A medida, dessa vez, é mais abrangente e leva em consideração o porte de armas. Confira quem terá acesso facilitado às armas.

Instrutor de tiro ou armeiro credenciado pela Polícia Federal;

Colecionador ou caçador com Certificado de Registro de Arma de Fogo expedido pelo Comando do Exército;

Agente público, “inclusive inativo”, da área de segurança pública, da Agência Brasileira de Inteligência, da administração penitenciária, do sistema socioeducativo, desde que lotado nas unidades de internação, que exerça atividade com poder de polícia administrativa ou de correição em caráter permanente, ou que pertença aos órgãos policiais das assembleias legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

Detentor de mandato eletivo nos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quando no exercício do mandato;

Advogado;

Oficial de justiça;

Dono de estabelecimento que comercialize armas de fogo ou de escolas de tiro ou dirigente de clubes de tiro;

Residente em área rural;

Profissional da imprensa que atue na cobertura policial;

Conselheiro tutelar;

Agente de trânsito;

Motoristas de empresas e transportadores autônomos de cargas;

Funcionários de empresas de segurança privada e de transporte de valores.

 

Além do porte, o texto altera as regras sobre importação de armas e sobre o número de cartuchos que podem ser adquiridos por ano – que passam de 50 para 1 mil em caso de armas de uso restrito e 5 mil, nas de uso permitido.POSSE DE ARMA: saiba tudo sobre o decreto do governo Bolsonaro