ROMA: produção de Alfonso Cuarón possui um similar brasileiro protagonizado por Regina Casé

Quase um irmão gêmeo 

Acredite ou não, mas a produção mexicana de Alfonso Cuarón pode ser associada a um filme brasileiro de 2015 que tem Regina Casé como protagonista. O filme “Que Horas Ela Volta”, dirigido por Anna Muylaert, apresenta diversas semelhanças com o filme mexicano Roma, de 2018, com direção de Alfonso Cuarón.

Pode parecer estranho essa comparação, mas ambas as produções apresentam características bem semelhantes.

Confira nossas análises, lembrando que terá spoiler.

ROMA: produção de Alfonso Cuarón possui um similar brasileiro protagonizado por Regina Casé

“Que Horas Ela Volta”

O filme brasileiro “Que Horas Ela Volta”, de 2015, conta a história da pernambucana Val, interpretada por Regina Casé, que se mudou para São Paulo a fim de dar melhores condições para sua filha Jéssica. A protagonista deixou a menina, ainda pequena, em sua terra natal e a relação era só por telefone. 

Val consegue um emprego de babá, numa casa de uma família de classe alta e acompanha o crescimento de Fabinho, a criança da casa. Como era comum, Val mora na casa de seus patrões, em um quartinho nos fundos. Quando o menino vai prestar vestibular, ela recebe uma ligação de Jéssica, pedindo ajuda para ir à São Paulo, para fazer a mesma prova.

Dona Bárbara, Doutor Carlos e Fabinho recebem muito bem a menina, mas em diversas ocasiões, deixam claro que ela é a filha da empregada, causando desconforto em Jéssica, mas sendo uma atitude normal para Val.

O dinheiro da família é fruto do trabalho do pai de Doutor Carlos, que assim que faleceu, toda a riqueza ficou para o filho. Carlos é pintor, mas não tem isso como profissão, Dona Bárbara trabalha com moda e Fabinho dedica seu tempo aos estudos.

“Roma”

A produção se passa na Cidade do México, em 1970. O filme aborda a rotina de uma família de classe média, moradora do bairro Roma. Cleo trabalha como babá e empregada doméstica na casa da família e cuida de todos, principalmente das quatro crianças, parecendo que são sua família.

Cleo divide o pequeno quarto com Adela, que também trabalha na casa de Sofia e Sr. Antônio.

Os patrões se separam, Sr. Antônio sai de casa e Sofia passa por momentos difíceis, principalmente com as crianças. Nesse mesmo momento, Cleo descobre que está grávida e o pai da criança a abandona, fazendo as duas personagens passarem por momentos difíceis ao mesmo tempo.

Semelhanças no roteiro: Que Horas Ela Volta X Roma

Val e Cleo são babás e empregadas domésticas de famílias que possuem ótima qualidade de vida. Ambas entendem que o serviço de servir, retirar, arrumar e limpar nada mais é que uma obrigação e que, sim, a separação entre empregada e patrões existe e é constante.

Vida pessoal dos patrões

Ao mesmo tempo em que seus patrões possuem dinheiro, por dentro eles estão despedaçados. Há grandes chances de Dr. Carlos ter depressão e encontra em Jéssica uma solução para sua vida entediante, até pedindo (mesmo alegando que seja brincadeira) a menina em casamento. Dona Bárbara é admirada no meio profissional, mas não consegue grandes demonstrações de carinho de seu filho, Fabinho.

Em Roma, Sr. Antonio já não quer mais continuar casado com Sofia e sai de casa. Algum tempo depois, Cleo o vê com uma moça mais jovem. Com a separação, Sofia se afasta um pouco de seus filhos, faz uma cena dramática batendo o carro do marido na garagem, onde ele estacionava com o maior cuidado do mundo, como uma forma de vingança pelo o que ele fez.

Menos que membro da família

Val e Cleo são tratadas como mais um membro da família, devido ao cuidado que possuem com todos, mas quando é preciso, os patrões deixam evidentes que elas são apenas as empregadas. Em “Que Horas Ela Volta”, observamos isso com a separação do sorvete de chocolate com amêndoas ser de Fabinho (e dos pais), e o mais popular ser dos funcionários;

Há também a cena em que Fabinho retorna da prova do vestibular, Dona Bárbara pede para que Val se retire da sala. Fabinho e um amigo derrubam Jéssica na piscina da casa e a garota aproveita a brincadeira, mas imediatamente é surpreendida por Val, Dona Bárbara e Dr. Carlos, que pedem para que ela saia da piscina. Depois, a dona da casa pede para que esvaziem a piscina, apenas porque a garota entrou.

Em “Roma”, observamos essa separação quando todos os membros estão sentados na sala assistindo TV, enquanto Cleo está recolhendo os pratos e copos. Após isso, ela se senta no chão para acompanhar o programa.

Percebemos a diferença de tratamento quando Cleo e Adela estão em seu quarto e comentam que não podem permanecer muito tempo com a luz acesa, pois os patrões não gostam.

Notamos também quando Cleo atende o telefone, ela limpa o aparelho em sua roupa antes de passar para Sofia.

A difícil relação com os filhos

Val teve que deixar sua filha em sua cidade natal para conseguir uma melhor condição de vida, mantendo contado apenas por telefone. Depois de 13 anos afastadas, mãe e filha percebem que a relação entre elas será complicada. Principalmente porque Jéssica não aprova a forma como Val é tratada e que ela more na casa de seus patrões.

Mas a relação de Val e Fabinho é ótima. O garoto encontra nos colos de Val um carinho indisponível nos pais e a personagem percebe o quanto isso é valioso para ambos. Percebe-se que até Bárbara, mãe de Fabinho, se incomoda um pouco com a relação do filho com Val. Após o garoto receber a notícia que não passou no vestibular, Val o consola, com um abraço acolhedor de mãe. Quando Bárbara faz o mesmo, Fabinho se afasta.

Com Cleo, a história é parecida. Ela sempre cuidou bem das quatro crianças dos patrões, colocando para dormir, acordando de forma carinhosa, levando para passear.

Cleo engravida de um rapaz com quem está saindo, mas quando ele fica sabendo, abandona a moça. Ela, em momento algum, se mostra animada e feliz com a gravidez.

Devido a muita espera para o parto, o neném nasceu morto. Cleo demonstra um pouco de amor pela criança, fica um período de luto, mas a vida precisou seguir. A família viaja para praia e nos últimos dias, duas crianças quase se afogaram no mar. Cleo, mesmo não sabendo nadar, se arriscou para salvar as crianças. Após o resgate, todos, incluindo a mãe, abraçam Cleo, demonstrando todo o amor e carinho por ela. Nesse momento de desespero, ela conta que não queria ter o bebê.

Cenas semelhantes

É uma cena comum entre as pessoas que lavam roupa: colocá-las para secar no varal. Mas em ambos os filmes a cena é parecida. Após colocar as roupas dos patrões para secar, Val senta em um cadeira e aproveita para tomar um sol, olhando para o céu.

Cleo, por sua vez, estende as roupas, assim como outras funcionárias em casas ao lado. Em outro momento, um dos filhos chega ao terraço para brincar. Ele deita em um local e olha para o céu. Logo, chega Cleo, se deita também e fala: “Como é bom estar morta”.

Em “Roma”, quando Sofia se despede do seu marido e observa o carro do marido se afastando, percebemos um olhar triste.

Em “Que Horas Ela Volta”, quando Fabinho se despede de Val para ir passar um tempo fora do país, os dois se emocionam e o olhar de Fabinho para Val é comovente.

Em ambos os filmes, os diretores retratam a vida de Cleo e Val fora da casa. Elas saem, possuem amigos e relacionamentos. 

Estilo de técnica

O estilo de filmagem de Alfonso Cuarón não deixa que a câmera interfira na cena. Ela capta uma imagem aberta, conseguindo selecionar todos os elementos do ambiente. Não foca nos rostos, nas reações, mas sim no plano geral.

Apesar dos filmes se passarem em épocas completamente diferentes, em países diferentes e possuir um ritmo oposto, a temática e a forma como ela é tratada é bem semelhante, podendo comparar algumas cenas.

Os dois valem muito!